Hermilo em outras palavras

HERMILO EM OUTRAS PALAVRAS

“A CASA DOS ROSMER” E O TEATRO DO ESTUDANTE  

“O que não podemos é chamar estes rapazes de aprendizes. Estudantes na vida prática, eles já são mestres na arte e na técnica do teatro. É certo que cada um tem o seu valor pessoal – há entre os elementos que constituem o Teatro do Estudante de Pernambuco escritores da categoria de José Laurênio de Melo, Joel Pontes e Ariano Suassuna – mas também é certo que nada fariam sem uma inteligência que os aproveitasse e coordenasse.  Eles encontraram em Hermilo Borba Filho o diretor por excelência, a cultura, a sensibilidade, os dons da intuição poética, a experiência e o conhecimento da técnica do teatro.  E não podemos deixar de assinalar, ao lado da sua capacidade para a direção técnica de um conjunto teatral, aquela sem a qual talvez  não fosse possível a existência do Teatro do Estudante : capacidade de planejar e coordenar atividades, e de reunir, organizar e dirigir.”

EDSON NERY DA FONSECA  

(Diario de Pernambuco, 16 de maio de 1948)


 

HISTÓRIA DO TEATRO

“Esta obra, da autoria de Hermilo Borba Filho, diretor do Teatro do Estudante de Pernambuco e um dos mais capazes estudiosos dos assuntos teatrais no Brasil, agora lançada, vem preencher a lacuna de obras sobre a matéria, em nosso país. As poucas que existem são, geralmente, em língua estrangeira, o que dificulta a tarefa do cultor da arte dramática, já agora em maior número, graças ao impulso realmente intelectual que começa a ter o drama no Brasil, afastadas, em parte, as causas comerciais que o mantinham em nível inferior, trabalho este de amadores e de profissionais honestos que encaram o teatro sob o ponto de vista artístico.  

Neste livro o autor procurou, o mais possível, fornecer idéias e conceitos emitidos por famosos escritores teatrais da humanidade, indicando fontes para maior facilidade do leitor; fontes estas que constituem um roteiro indispensável aos que desejarem ampliar ao máximo seus conhecimentos. É uma história do teatro e, por conseguinte, limita-se a expor, de modo sucinto, o desenvolvimento da arte de representar em cada país, mas sempre com apoio nas opiniões dos eruditos, evitando o autor, tanto quanto possível, teorias próprias, a fim de que, com absoluta isenção de ânimo, possa fornecer bases universalmente celebradas àqueles que ainda não entraram em contato com a história do drama.  É, pois, um livro sem pretensão de erudição pessoal, destinado a aliciar as massas de gosto artístico e renovar, afinal de contas, o nosso mundo dos que amam o teatro.  

Longo capítulo a respeito do desenvolvimento do teatro brasileiro, desde os seus primórdios até os dias de hoje, relacionando peças, autores e movimentos principais no sentido de uma maior elevação do drama, aumenta o valor desta obra de amplo interesse para a cultura brasileira.”

(Texto da Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil veiculado na edição do livro HISTÓRIA DO TEATRO, de Hermilo Borba Filho – Rio de Janeiro, RJ, 1950)


 

OS CAMINHOS DA SOLIDÃO

    “O desmentido mais recente é o que vem nas páginas de Os Caminhos da Solidão, de Hermilo Borba Filho. Trata-se de um romance que, nada tendo de estritamente regionalista no sentido de caipirista, é regional no sentido telúrico. Sente-se nele não só o Nordeste, em geral, como Pernambuco em particular. Mas um Pernambuco que não se apresenta : faz-se sutilmente sentir.”

GILBERTO FREYRE

(Revista O Cruzeiro, Rio de Janeiro, RJ, maio de 1958)


 

O ROMANCE DA DANAÇÃO

    Quem leu o primeiro romance de Hermilo Borba Filho, Os Caminhos da Solidão,  publicado em 1957, tenho a impressão de que não sentirá a menor surpresa ao correr os olhos pelo seu novo romance. É que este, em certo sentido, parece o desdobramento daquele : a linha psicológica, a mesma; a atmosfera, o o movimento, o senso do humano, quase os mesmos; a substância dramática de igual densidade. Apenas observará certamente maior apuro técnico na arte de narrar, mais segurança no jogo das minúcias, maior consistência de linguagem, mais vivo senso das perspectivas. Se surpresa houver será a de ver como um autor brasileiro, e dos jovens, se pode comportar, em época de feroz apetite de glória literária, com serenidade e constância no preparo escrupuloso de sua carreira.  Aí está um escritor que, tendo recebido logo na estréia a benção da crítica, em vez de criar asas para talvez perder-se no improviso e na exibição, sete anos passou tranqüilo, sem o menor sinal de pressa nem de afobação, a montar a máquina de uma nova história.

    Foi talvez por isso, por saber trabalhar miúdo e na moita, indiferente às atrações do sucesso, com esse sentido cada vez mais raro de consciência artesanal – sem o qual desgraçadamente tantos valores às vezes se perturbam ou se degradam, a ponto de estrangularem, com as próprias mãos, fetos de romances, – foi por isso talvez que Hermilo Borba Filho conseguiu imprimir ao Sol das Almas sinais de consistência e qualidades de permanência. Um romance como este, forte e tenso – o romance da danação -, não há de ser, aos olhos dos  observadores literários responsáveis, uma espécie de Maria-vai-com-as-outras, por medíocre, raso ou insignificante.  Não há nele a marca do carbono; nem traços de repetição ou pastiche.  Esforçou-se o autor por dar muito de si, sem se preocupar com os mapas tradicionais da ficção nordestina nem os moldes de vanguarda da ficção estrangeira.     

    A história de Jó, pobre pastor protestante do interior de Pernambuco, às voltas com o demônio do sexo, Hermilo Borba Filho a narra, com um vigor singular, tirando partido de cada nuance psicológica, revelando mesmo, em dados momentos, forte crispação dramática.  Apanha-o o romancista no vulgar e rotineiro de sua existência cinzenta para acompanhá-lo pelo caminho do calvário, até o final patético.  Mas veja-se que não é só a esse molambo humano nas mãos do destino que ele dá a devida projeção : nítida e exemplar é a figura de Estela, mulher de Jó, na sua surda resistência ao inevitável; como a do Dr. Bertoldo, que o vício corrói e liquida; a de Júlia, vítima e carrasco de si mesma.  Observe-se, mais, que também a personagens de segundo plano o autor dá o direito de viver autônomas, carne e osso como as outras, sangue e vibração de gente : como o padre Alípio, Totó, Coronel Zuza, Fialho – todos esses seres que, na trama do romance, parecem ter função subsidiária, mas constituem na realidade peças insubstituíveis no todo – zeros à esquerda válidos na formação de um quadro de valores.  Como essas pessoas, até os bichos : o morcego e o bode, que surgem com a força de elementos simbólicos.  

    Não desliza mansamente em linha reta a narrativa de Hermilo Borba Filho : adotou ele uma técnica que, não sendo preciosa, representa um primor de concepção e realização.  O romance se desenvolve em vários planos e diferentes tempos, mas de tal forma aproveitados e expostos, com tal arte, esses tempos e planos, que não reduzem a intensidade do pathos humano e social, nem nos perturbam a apreensão de tão complexa realidade.  Há uma viagem de trem – a última de Jó – e cada capítulo oferece, como  ouverture, a visão da parada do trem, em cada estação, até o Recife. Intercaladas, lembranças e reminiscências.  Depois, a história mesma, às vezes interrompida, rápido, por fugas ou interferências acidentais da memória, em admiráveis flash-backs.

    No exercício dessa técnica o sinal de maturidade do romancista :  o aprumo com que se conduz, lidando com material tão delicado, olhos e ouvidos sensíveis à menor vibração de vida.  

VALDEMAR CAVALCANTI  


(Texto veiculado no volume – orelhas –  do romance SOL DAS ALMAS, de Hermilo Borba Filho, Editora Civilização Brasileira, 1ª. edição, Rio de Janeiro, RJ, 1964)  

    

 

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