Entrevistas

A PALAVRA DE HERMILO (Entrevistas), Organização de Juareiz Correya e Leda Alves

TEATRO DO ESTUDANTE DE PERNAMBUCO

Fala ao JORNAL PEQUENO, o escritor Hermilo Borba, que acaba de regressar de sua viagem ao Rio – O que lá viu como realidade de arte dramática – Conseguida uma subvenção – Próximas montagens – Peça a publicar e o Teatro de Bonecos – Ao menos um caminhão velho…

    Hermilo Borba Filho, diretor do Teatro do Estudante de Pernambuco, esteve no Rio, em contato com os meios artísticos da capital e, por isso, a nossa reportagem procurou ouvi-lo. Inicialmente, Hermilo fala-nos da Concentração do Teatro do Estudante do Brasil.  

    – Creio que Paschoal Carlos Magno, com a Concentração, deu, realmente, o primeiro passo para a criação de uma Academia de Arte Dramática no Brasil.  Aliás, esse é um velho sonho do grande animador dos teatros de estudantes em nosso país.  Na Concentração, os rapazes e as moças tiveram muito o que aprender. Todas as noites chegava um conferencista, um pianista, uma cantora, um romancista e falava sobre diversos aspectos da arte em geral.  Os estudantes, pela primeira vez, sentiram que estavam sendo encarados com força na arte dramática do momento.  Durante o dia, aulas e ensaios das peças que compõem o repertório.  

O REPERTÓRIO  

     – Que repertório vai apresentar o Teatro do Estudante do Brasil ?

    – Para começar, basta dizer que eles vão representar “Hamlet”, pela primeira vez em brasileiro, sob direção de Hoffman Harnish, o antigo diretor do Seminário de Arte Dramática, de Berlim. Gostaria que vocês vissem um ensaio desse sujeito. Gritos, berros, agitação, esbregues nos intérpretes, “é assim que se faz”. Mas a turma aceita tudo calada, na certeza de que aquilo está certo e os resultados já podem ser vistos. O Sérgio Cardoso, por exemplo, que faz o papel da discutida figura de Shakespeare, já nos está dando amostra da sua interpretação. Uma integração quase impecável, graças a sua grande sensibilidade artística e ao estudo de horas a fio do papel.  Em seguida, vem “Antígona”, de Sófocles, dirigida por Hans Sachs, antigo aluno do grande renovador da cena moderna, Max Reinhardt. Este é um homem pequeno, calmo, de poucas palavras, que consegue o rendimento dos intérpretes por outros processos.  Mas posso afirmar que a tragédia grega tem nele um grande conhecedor do assunto.  Depois vem “A Castro”, dirigida pelo próprio Paschoal.  Quem vê o Paschoal do lado de fora, cheio de bons modos, um diplomata afinal de contas, não pode fazer idéia do que seja o ensaiador.  Transforma-se. Berra um bocado, manda repetir, ensina como é.  A pobre da Inez de Castro, interpretada pela Liuba e o Infante, desempenhado pelo Pernambuco de Oliveira, sofrem um bocado. Mas a tragédia portuguesa de Antonio Ferreira será um grande espetáculo com a sua interpretação segura e aquele coro de 200 pessoas.  Ester Leão vai dirigir “Além do Horizonte”, de Eugene O’Neill. É uma ensaiadora muito exigente à frente de uma grande peça como essa do poeta dramático norte-americano.  Dirigindo minha peça está Adalto Filho que sempre se mostrou muito interessado pela “Electra no Circo”.   

UMA GRANDE CULTURA TEATRAL   

    – Adalto – prossegue o nosso entrevistado – é um homem de grande cultura teatral e de uma percepção artística raramente encontrada.  Imagina você que, dois dias após a minha chegada ao Rio fui para a casa dele, a fim de acertarmos vários pontos da peça.  E lá, durante sete horas seguidas, discutimos os personagens, as situações, a atmosfera, o conteúdo e nem uma vez tive oportunidade de discordar do Adalto, isto porque ele estava tão integrado dentro da essência da tragédia, alcançou tão longe o meu pensamento, que todos os pontos já estavam esclarecidos, sem necessidade de contar com a minha explicação.  

    – Na minha peça ainda conto com dois artistas de peso, encarregados dos costumes e do cenário, duas coisas importantíssimas quando se tem em vista a modernização de um assunto grego : são eles, Pernambuco de Oliveira e Flávio Léo da Silveira.  Ambos já descobriram soluções magníficas para os cenários e os “croquis” dos costumes são realmente aquilo que eu gostaria que fossem.  Por fim, fechando o repertório que será apresentado a partir de outubro, temos uma comédia de Guilherme de Figueiredo, “Lady Godiva”, sob a direção de Olavo de Barros.  

ATIVIDADES 

    – Outras atividades no Rio ?

    – Agnes Claudius, grande entendida em Shakespeare, atualmente no Brasil, pensa traduzir “Electra no Circo”, para lançá-la em Londres, com desenhos de Pernambuco de Oliveira, além da publicação do resumo de outra peça minha  – “O Círculo Encantado” – em um anuário de teatro.  Luiza Barreto, que fundou a Cooperativa dos Artistas Unidos, vai lançar minha tradução de “A Sapateira Prodigiosa”, de Lorca, enquanto o Teatro de Câmera, do Lúcio Cardoso, estuda a possibilidade de montar “O Círculo Encantado”. A Editora Arte e Técnica fez contrato comigo para a publicação das minhas peças, incluindo “João sem Terra”, que estou terminando e penso entregar a um grupo em formação no Rio e também do meu ensaio “Lorca – Tentativa de Compreensão”. Como vê, a viagem foi proveitosa.   

O NOSSO TEATRO DE ESTUDANTE

    – E como vai o Teatro do Estudante daqui ?

    – Estamos trabalhando. Já sabem que recebemos uma subvenção do Serviço Nacional do Teatro. Uma subvenção pequena de quinze mil cruzeiros, cuja história já contei em um artigo pelo Diário de Pernambuco.  “Ratos e Homens”, de Steinbeck, já estava em ensaios, mas infelizmente teve de ser retirada, pois o Gastão de Holanda, que devia fazer o papel-eixo da peça não pôde, atualmente, cheio de ocupações, enfrentar a responsabilidade de uma interpretação como essa.  Em vista disso pensamos montar uma peça de Angel Guimerá – “Planície” – que entrará em ensaios na próxima semana.  Enquanto isso, vamos repetindo “A Sapateira Prodigiosa”, no dia 30, na Escola de Belas Artes.  Adalto Filho se prontificou a dar um salto de um mês aqui, em janeiro, para montar conosco o “Sonho de uma noite de verão”, na adaptação de Vildrac e dele já recebi uma bonita peça – “Planície” -, que é sua tradução.

OS BONECOS EM CENA  

    – E o Teatro de Bonecos ?

    – O texto da farsa de Lorca, “Amor de Dom Pelimplim com Belisa em seu jardim”, está sendo ensaiado.  Os bonecos, porém, só poderão começar a ser movimentados quando da volta de Aloísio Magalhães, que está na Argentina.  Enquanto isso, vamos trabalhando. Ainda este mês reiniciaremos as sabatinas públicas sobre teatro, nos centros operários e pensamos, em setembro, lançar a nossa “Barraca”, desenhada por Hélio Feijó e que vai ser construída pela Base Naval, com um repertório de peças em um ato.  Se o governo nos quisesse ajudar com um caminhão velho, hein ?


Entrevista de Hermilo Borba Filho concedida ao JORNAL PEQUENO (Recife, PE, agosto de 1947). Transcrita do livro A Palavra de Hermilo (Companhia Editora de Pernambuco – CEPE / Secretaria da Casa Civil / Governo do Estado de Pernambuco, Recife, PE, 2007)